24.9.09
10.9.09
SIZA VIEIRA por José Saramago
Toda a arquitectura pressupõe uma determinada relação entre a opacidade natural da maioria dos materiais empregados e a luz exterior. Os grossos muros românicos abriam-se dificilmente para que a claridade do dia movesse, num espaço que parecia recusá-las, as sombras que precisamente iriam dar-lhe sentido. A sombra é o que permite fazer a leitura da luz. O gótico rasgava-se verticalmente em vitrais que, dando passagem à claridade, ao mesmo tempo a matizavam para resgatar no último instante o efeito misterioso da penumbra. Mesmo nos modernos tempos, quando a parede é, em grande parte, substituída por aberturas que quase a anulam, que a fazem desaparecer em absurdos revestimentos de vidro que diluem os seus próprios volumes num processo de caleidoscópicas reflexões e projecções, a necessidade de apoio de que o olho humano não pode prescindir procura ansiosamente um ponto sólido onde possa descansar e contemplar.
Não conheço na arquitectura moderna uma expressão plástica em que o primórdio da parede seja tão importante como na obra de Siza Vieira. Esses muros longos e fechados surgem, à primeira vista, como inimigos inconciliáveis da luz, e, ao deixarem-se finalmente perfurar, fazem-no como se obedecessem contrariados às inadiáveis exigências da funcionalidade do edifício. A verdade, porém, segundo entendo, é outra. A parede, em Siza Vieira, não é um obstáculo à luz, mas sim um espaço de contemplação em que a claridade exterior não se detém na superfície. Temos a ilusão de que os materiais se tornaram porosos à luz, de que o olhar vai penetrar a parede maciça e reunir, em uma mesma consciência estética e emocional, o que está fora e o que está dentro. Aqui, a opacidade torna-se transparência. Só um génio seria capaz de fundir tão harmoniosamente estes dois irredutíveis contrários. Siza Vieira é esse taumaturgo.